
 
Henry David Thoreau nasceu em 1817, em Concord, povoação do Estado de
 Massachusetts a uns 30 km a oeste de Boston, e ali faleceu em 1862, 
vitimado pela tuberculose aos 44 anos. Descendia, pelo lado paterno, de 
uma família francesa de protestantes refugiados na ilha de Jersey, no 
Canal da Mancha, desde 1685, após a revogação do édito de Nantes. 
Involuntariamente, o avô de Henry fora o primeiro a instalar-se na 
América, em Boston, em 1773, na sequência de um desastre marítimo em que
 naufragou. Os pais de Thoreau, cultos e pouco dados aos negócios, não 
eram materialmente ricos. Possuíam no entanto uma pequena fábrica de 
lápis em Concord, onde Henry trabalhará em diversas ocasiões, 
encontrando ali o esteio material que, a bem dizer, nunca terá nas suas 
actividades «intelectuais», mesmo no ensino, que só episodicamente pôde 
exercer. Tanto o pai como a mãe de Henry, empenhados na acção política 
abolicionista, o iniciaram no amor pela justiça e pela natureza.
Para
 os seus contemporâneos, Henry Thoreau não passava de um discípulo menor
 do filósofo e seu amigo íntimo Ralph Waldo Emerson, mais velho catorze 
anos e autor já então muito conhecido. Cem anos depois, porém, Thoreau 
passou a ser considerado um dos gigantes da literatura norte-americana, 
admitindo-se universalmente que fala muito mais ao nosso tempo do que 
pôde falar ao seu. A sua vasta obra, em grande parte postumamente 
publicada, continua a mostrar-se influente em domínios diversos: no amor
 pelas belezas naturais, na sátira de costumes, na oposição às 
instituições estatais, na protecção e conservação da natureza e seus 
recursos, na estilística do ensaísmo moderno.
No dia 4 de Julho de 
1845, aos 27 anos, enquanto a maioria dos estadunidenses agitava 
bandeirinhas por entre o ruído do fogo de artifício e dos sinos, Thoreau
 celebrava o Dia da Independência à sua própria maneira, inaugurando, 
com um grupo de amigos (entre os quais Emerson), a cabana que construíra
 junto ao Walden, um lago glaciar situado a uns 3 km de Concord. 
Dera
 esse passo com vista a pôr em prática as suas exigências de uma vida 
simples e despojada, graças à qual, como depois há-de verificar, lhe 
será possível trabalhar, no máximo, seis semanas por ano. Thoreau, que 
levava muito a sério o lema «um homem é rico em proporção ao número de 
coisas de que pode prescindir», confirmava assim o que declarara alto e 
bom som aquando da sua licenciatura na Universidade de Harvard, 
invertendo as prescrições bíblicas: que o homem deveria trabalhar um dia
 por semana e descansar nos outros seis  ainda que este «descanso», no 
caso de Thoreau, deva ser matizado, visto ele o dedicar a escrever e a 
observar apaixonadamente a natureza. Um dos seus objectivos ao ir morar 
para os bosques era escrever uma obra sobre a viagem que em 1839 
empreendera com seu irmão John pelos rios Concord e Merrimack. E, 
curiosamente, na cabana escreverá A Week on the Concord and Merrimack Rivers e Walden,
 os dois únicos livros que pôde publicar em vida. Curiosamente também, 
fez isso na altura da grande migração que levou à chamada «conquista do 
Oeste», sem esta o atrair. Thoreau, de facto, compreendera que 
necessitava de algo mais vital do que mudar de geografia: impunha-se-lhe
 modificar o seu modo de vida.
Walden tem origem numa palestra
 que Thoreau faz em Fevereiro de 1846, no Liceu de Concord, sobre a obra
 de Thomas Carlyle. Embora desperte interesse, não era aquilo que os 
seus conterrâneos esperavam ouvir. O que eles queriam saber era outra 
coisa: por que razão um licenciado da Universidade pusera de parte a 
vida convencional e fora viver para uma cabana nos bosques. Thoreau 
começa então a escrever para outras conferências; a primeira só a 
proferirá um ano depois, em Fevereiro de 1847, intitulando-a «História 
de Mim Mesmo», parte da qual deu depois o primeiro capítulo de Walden.
 As reacções favoráveis a estas palestras levam-no posteriormente a 
dar-lhes forma mais elaborada e a concebê-las como livro. Conclui esse 
manuscrito em Setembro de 1847, mas só em 1854 aceita publicá-lo, num 
dos mais reputados editores de Boston, devido às muitas revisões (sete, 
ao todo) a que obstinadamente decidira proceder.
A recepção que acolhe este seu segundo livro é melhor do que a do primeiro, A Week...
 (1848), cuja edição quase completa acabaria por lhe ser entregue em 
casa pelo editor; mas para uma obra que no século XX se tornará um 
clássico da literatura norte-americana o interesse da crítica e do 
público mostra-se então parco: a edição inicial, de 2000 exemplares, 
levará três anos a esgotar. Podemos dizer, naturalmente, que teve 
destino semelhante ao Moby Dick (1851) de Melville e às Leaves of Grass (1855) de Whitman, que só gerações posteriores souberam ler. 
O
 lago Walden e os seus bosques irão ser para Thoreau uma lição 
essencial, apreendendo ele ali que a arte de escrever e a arte de viver 
são inseparáveis. Walden, de facto, é mais do que o simples 
relato de uma vida nos bosques. A prosa de Thoreau evoca a natureza sem 
sentimentalismos e sem distorcer o mundo natural. O individualista 
transcendentalista que nesta narrativa emerge reve-la-se sedutor e 
convincente porque os vívidos pormenores colhidos nos bosques, no lago e
 nas estações do ano são empregados como elementos simbólicos destinados
 a validar a sua visão de uma vida espiritual alicerçada na natureza.
Com
 efeito, os factos da natureza constituíam para Thoreau uma linguagem. 
Foi com esta que pôde edificar um mundo espiritual, cuidadosamente 
reconstruído em Walden, «transformando» num só ano os dois anos que lá passou, de modo a seguir, na narrativa, o ciclo natural das quatro estações.
Para a elaboração de Walden concorreram
 diversas influências. A primeira terá sido a de Emerson. Thoreau 
construiu a célebre cabana em terras que o seu amigo adquirira para 
impedir ( já então!) a destruição da flora e da fauna pelos activistas 
do lucro, mas também edificou o seu livro em muito do trabalho de base 
feito por Emerson, sobretudo na sua obra fundamental, Nature, de 
1836. Outras fontes importantes foram os clássicos greco-latinos, a 
espiritualista literatura oriental, então pouco conhecida, os relatos de
 viagens e a cultura dos nativos americanos, ou Índios, a que Thoreau se
 dedicará profundamente.
Na realidade, a singular decisão de Thoreau 
tem por base uma dissidência, rejeitando ele o materialismo de escravos 
já então visível no comércio, na indústria, na tecnologia, em suma, no 
progresso material que posteriormente irá tornar os Estados Unidos a 
mais notória potência estatal do globo.
A crítica da emergente 
sociedade industrial que Thoreau exprime de modo visionário, ao 
apoiar-se nos poderes da natureza, era partilhada por outros indivíduos 
nos Estados Unidos, em especial pela eclética corrente, em que ele se 
integra, que ficou conhecida pelo nome de Transcendentalismo. Este 
movimento de ideias, oriundo da Europa, centrou-se, nos E.U.A., na Nova 
Inglaterra (e particularmente em Concord), e foi activo sobretudo entre 
1830 e 1850. Teve como seu mais célebre mentor Ralph Waldo Emerson, 
congregando uma plêiade de indivíduos que abordaram todos os domínios da
 vida social, da educação ao regime prisional e à pena de morte, da 
pobreza ao casamento e à economia doméstica, dos direitos da mulher à 
paz e à escravatura. Mas as suas actividades principais foram sempre 
formas muito pessoais de expressão: «Discutiam, escreviam e viviam as 
suas ideias em vez de inventarem máquinas, criarem empresas comerciais 
ou introduzirem legislação.» (Michael Meyer) Uns exprimiam-se através do
 Clube Transcendental (1836-40) ou da revista trimestral The Dial
 (1840-44), animada por Emerson e onde Thoreau publicou os seus 
primeiros ensaios e poemas, outros fundavam efémeras comunidades 
utópicas como a Brook Farm (1841-47) ou a Fruitlands (1843-44).
Mas, 
sobretudo, a corrente transcendentalista constituía uma reacção à falta 
de integridade notória na vida americana, e é nisto que vemos Thoreau 
mais presente. Era parte dum impulso mais vasto com vista a reformas 
substanciais. O que atrai Thoreau no transcendentalismo não é o 
activismo social, é o desejo e a necessidade de cada pessoa se cultivar.
 Ele, aliás, não encarava com bons olhos os reformadores, propondo-lhes 
sempre que examinassem as suas próprias existências antes de se 
pronunciarem sobre as dos outros. É certo que em Walden o autor 
se expõe como exemplo de uma possível vida vivida «com simplicidade e 
inteligência»; mas longe dele prescrever um qualquer programa. Segundo 
Thoreau, só a disciplina individual, o crescimento intelectual e a 
evolução espiritual podiam constituir métodos para uma transformação em 
profundidade, não requerendo esta membros inscritos ou convenções. 
Porque, para Thoreau, a verdadeira transformação é pessoal, interior, 
totalmente individual, correspondendo à descoberta da divindade em cada 
pessoa como elemento indissociável da natureza.
Júlio Henriques
Bibliografia:
1.    Walter Harding, The Days of Henry Thoreau, Knopf, Nova Iorque, 1967
2.    Michael Meyer, Introdução a Walden and Civil Disobedience, The Penguin American Library, 1983