sexta-feira, 8 de abril de 2011

A construcção do silêncio



  • […] É aquele o momento em que o silêncio se constrói na intimidade do ouvido, num fervilhar de rumores, num súbito crocitar, num trilo, num murmúrio velocíssimo entre as ervas, num estalido na água, num pequeno e miúdo caminhar entre as pedras e a terra e, sobre tudo isto, no canto seco da cigarra. E os rumores misturam-se e casam-se uns com os outros e o ouvido consegue distinguir sempre ruídos novos e diferentes entre o amálgama dos antigos, como os dedos que, desfazendo uma flor, encontram em cada estame não uma unidade, mas uma teia intricada de fios sempre mais subtis e impalpáveis do que os anteriores.


  • E entretanto as rãs, que continuam com o seu coaxar a servir de fundo a todos os rumores, sem que se transmute o fluxo dos sons, da mesma maneira que para o amigo fiel das estrelas continua sempre igual o brilho dos astros. Agora porém, a cada despontar e correr do vento, todos os rumores mudavam e se faziam diferentes e novos. Somente no recanto mais e íntimo do ouvido continuava aquela sombra de mugido rouco ou de murmúrio: era a voz do mar. […].

Pag. 103 – 104 O Barão Trepador Italo Calvino (1957) Colecção estórias – Teorema (1999) Tradução de José Manuel Calafate

1 comentário:

Maria Paz disse...

O silêncio é de ouro... dizia o Buda.